O Kit de Construção de Línguas

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Gramática

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Uma vez que você tenha criado algumas palavras e talvez um alfabeto, você poderia pensar que acabou. Se sim, é provável que você tenha criado um elaborado criptograma para o português. Você ainda tem a gramática para fazer, amigo.

Esta seção não tenta abranger todas as questões morfológicas, sintáticas e pragmáticas. Sugere, isso sim, o que a sua gramática deve minimamente determinar, menciona algumas das questões e lista alguns exemplos interessantes de várias línguas.


A sua língua flexiona, aglutina ou isola?

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Flexões são, obviamente, afixos usados para conjugar verbos e declinar substantivos. Exemplos do Português são as terminações verbais, o -s adicionado aos substantivos para colocá-los no plural e o -do dos particípios. Línguas como o russo ou o latim têm sistemas complexos de flexões, para não dizer barrocos.

Uma única flexão pode carregar vários significados. Por exemplo, na forma russa domóv, a terminação -óv indica tanto a pluralidade quanto o caso genitivo; não revela qualquer relação evidente com outras terminações de plural (como o nominativo ) ou a terminação do genitivo singular (-a). No espanhol comí "comi", a terminação indica a 1ª pessoa do singular, pretérito, modo indicativo -- um grande serviço para uma única vogal, mesmo acentuada.

Em línguas que aglutinam, um afixo tem um significado. Compare com o quéchua wasikunapi "nas casas"; o sufixo de plural -kuna é separado do sufixo de caso -pi. Ou mikurani "comi", em que o sufixo do pretérito -ra- é mantido separado da terminação pessoal -ni.

Em línguas que isolam, não há sufixos; os significados são modificados inserindo-se palavras adicionais. Em chinês, por exemplo, wô chi fàn poderia significar "comi" ou "estava comendo", dependendo do contexto; o verbo não se flexiona. Para precisão, usam-se advérbios: wô chi fàn zuótiàn "estava comendo ontem".

(Na prática, línguas naturais misturam um pouco; algumas flexões têm um significado único; o quéchua tem umas poucas flexões, por exemplo, e o chinese tem partículas gramaticais necessárias, como a partícula de aspecto le, usada para mostrar uma ação completada: wô chi fàn le "comi".)

Os criadores de conlangs parecem girar em torno de línguas aglutinantes ou isolantes; mas há algo a ser dito sobre as aglutinantes. Elas tendem a ser compactas, por exemplo, é imbativelmente sucinto.


Ela possui substantivos, verbos e adjetivos?

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Porque não livrar-se de um ou dois deles?

Não é difícil livrar-se dos adjetivos. Um modo fácil é tratá-los como verbos: em vez de dizer "A parede é vermelha", você diz "A parede vermelha" (do verbo vermelhar); do mesmo modo, em vez de "a parede vermelha" você diz "a parede vermelhando (ou vermelhante)".

Com tais truques você pode até livrar-se do verbo ser que, de acordo com alguns teóricos, é responsável pela maioria do pensamento obscuro no mundo hoje. (Heinlein tomava o cuidado de banir "ser" da Fala Rápida.) Provavelmente a única resposta que essa noção merece é: não sabíamos que um pensamento claro se fazia tão fácil.

Você pode estender a idéia para livrar-se de substantivos. Por exemplo, em Lakhota, nomes étnicos são verbos, não substantivos. Há um verbo "ser um Lakhota": as formas do presente são "eu sou um Lakhota, você é um Lakhota, etc."

Você pode divertir-se um pouco com isso. "A pedra está sob a árvore" poderia ser expresso por meio de algo como "Há pedrantes sob o crescente, verdante, florescente", ou talvez "Pedra (de pedrar), enquanto cresce verdantemente." Se nós realmente encontrássemos uma língua assim, entrentanto, eu teria que perguntar-me se nós não estaríamos somente nos fazendo de idiotas. Se há uma palavra que se refere a pedra, por que traduzi-la como "pedrar" em vez de simplesmente "pedra"?

Jorge Luis Borges, em "Tlön, Uqbar, Tertius Orbis", propõe uma língua sem substantivos; mas é porque os seus falantes eram idealistas Berkeleyanos, que não acreditavam na permanência de objetos. Entretanto, os lingüistas não gostam de usar classes semânticas -- ou metafísica -- para definir categorias sintáticas (Esse não é o nível certo de análise; e isso tende a tornar obscuro como como as línguas realmente funcionam ao fazê-las todas se parecerem com o latim).

Jack Vance (em The Languages of Pao) propôs uma língua sem verbos. Por exemplo, "Há dois problemas que quero discutir com você" torna-se algo como "Assunto-de-importância -- num-estado-de-prontidão -- dois; ouvido -- de [nome de lugar] -- num-estado-de-prontidão; boca -- desta pessoa aqui -- num-estado-de-vontade." Vance pode estar num-estado-de-nos-deixar-loucos.


Como se indica plural, caso e gênero dos adjetivos e substantivos?

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O que é caso? É um modo de marcar os substantivos por sua função - ex.: Latim

mundus   sujeito ou nominativo: o mundo (é, faz, ...)

mundum   objeto ou acusativo: (algo afeta) o mundo

munde    vocativo: Oh mundo!

mundi    possessivo ou genitivo: do mundo

mundo    objeto indireto ou dativo: (dado, vendido, etc.) ao mundo

mundo    ablativo: (algo é feito) pelo mundo

O inglês, na verdade, tem casos: possessivos como "world's" são, de fato, formas de caso genitivo; enquanto a distinção sujeito/objeto é feita com pronomes (I versus me, we versus us).

Entusiastas de conlangs ou amam casos (porque torna a língua compacta e libera a ordem das palavras) ou os odeiam (porque o português não os tem).

Algumas línguas, como o basco, têm um arranjo diferente de casos. Ao contrário do sujeito da oração, que sempre está no mesmo caso (o nominativo), o sujeito de orações intransitivas (ex.: "A janela quebrou-se") e o objeto de orações transitivas (ex.: "Eu quebrei a janela) estão no mesmo caso, o absolutivo, enquanto sujeitos de orações transitivas (ex.: "Eu quebrei a janela") estão no caso ergativo.

Se você acha isso estranho, algumas línguas, como o Dyirbal, usam o sistema nominativo/acusativo system para os pronomes de 1a. e 2a. pessoas (eu, nós, tu, vós), e o sistema ergativo/absolutivo para substantivos e para pronomes de 3a. pessoa.

Se uma língua não possuir casos, apenas a ordem das palavras indica a relação entre os argumentos de um verbo; mas há outra alternativa: marcações no verbo. Por exemplo, no Swahili Kitabu umekileta? "Você trouxe o livro?", o verbo leta tem prefixos indicando o sujeito (u- "você") e o objeto (-ki-, um prefixo de terceira pessoa concordando em gênero com kitabu; -me marca o tempo perfeito). O marcador de objeto de gênero específico no verbo permite qualquer ordem de palavras, mesmo sem marcação de casos nos substantivos.


Os substantivos possuem gênero?

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Note que o gênero não precisa ser simplesmente masculino/feminino. Swahili, por exemplo, tem oito classes de gêneros, nenhuma delas masculino/feminino: uma é para animais, uma para seres humanos, uma para substantivos abstratos, uma forma diminutivos, etc.

Eu afirmo que não muitas conlangs têm gênero gramatical (O Verduriano tem, porque pareceria natural). As pessoas perguntam, para que serve o gênero? O gênero é notavelmente persistente: persistiu nas famílias lingüísticas indo-européia, semita e bantu por pelo menos cinco mil anos. Deve desempenhar algum papel útil.

Algumas possibilidades:


O verbo se flexiona em pessoa, gênero e/ou número?

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Como nos casos, desinências pessoais fazem boas frases compactas, já que quando as temos podemos geralmente omitir pronomes sujeito.

Algumas línguas, como o Swahili e o Quéchua, incluem o pronome oblíquo no verbo também, geralmente como um infixo.

As línguas românicas têm formas clíticas dos pronomes, que por pouco não são inflexões verbais, ex.: francês Je le vois, "Eu o vejo"; espanhol Digame, "diga-me".

Verbos bascos podem se flexionar para codificar informações sobre o interlocutor. Por exemplo, ekarri digute é um modo neutro de dizer "Eles nos trouxeram isto"; ekarri zigunate significa o mesmo, mas também indica que o interlocutor é uma mulher tratada com o pronome pessoal informal.


Que distinções são feitas no verbo?

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Algumas distinções que as línguas fazem:

Qualquer língua pode exprimir tais distinções, mas elas diferem em quais características fazem parte da gramática: refletidas na morfologia e na sintaxe da língua. O inglês, por exemplo, tem, gramaticalmente, pessoa e número no seu sistema verbal, enquanto o japonês não. Por outro lado verbos japoneses têm formas positivas e negativas, bem como uma indicação morfológica dos níveis de respeito.

As línguas também diferem em quantas distinções são feitas nessas categorias.


Quais são os pronomes pessoais?

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As pessoas básicas e universais são a primeira (referente ao que fala), a segunda (com quem se fala), e a terceira (de quem se fala). Porém, há muito espaço para a criatividade. Distinções podem ser feitas:

Uma vez, eu inventei uma raça alienígena que usava diferentes pronomes na terra ou debaixo d'água (eles eram anfíbios), e tinham as distinções inclusivo/exclusivo e próximo/obviativo. Eles também tinham um pronome para mentes grupais e pronomes para cada um dos seus três sexos. A lista completa era impressionante.


What are the other pronouns?

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To me, the best idea Zamenhof had was his table of correlatives, a nice way to organize all these pronouns. For English, it looks like this:


          QUERY   THIS   THAT   SOME       NO       EVERY

ADJECTIVE which   this   that   some       no       every

PERSON    who     this   that   someone    no one   everyone

THING     what    this   that   something  nothing  everything

PLACE     where   here   there  somewhere  nowhere  everywhere

TIME      when    now    then   sometime   never    everywhere

WAY       how     thus          somehow   

REASON    why     

It's easy and diverting to regularize the table, although natural languages generally leave holes, which must be filled in with phrases ("in that way", "for no reason").

You might ask yourself whether the interrogative pronouns ("Who did it?") and the relative pronouns ("Is this the man who did it?") are the same; in some languages they aren't.

Generally, if nouns decline, these pronouns decline the same way. Sometimes they're worse -- English, for instance, retained separate "from" and "to" forms for pronouns of place (here / hence = from here / hither = to here) long after such distinctions were lost for ordinary nouns.


Quais são os números?

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Os números são baseados em dezenas ou outra coisa? Muitos sistemas numéricos humanos são baseados em cinco. Meus alienígenas de pronomes felizes tinham um sistema duodecimal. Máquinas inteligentes prefeririam, certamente, um sistema hexadecimal...

Como se formam os números mais altos? "Quarenta e três", por exemplo, pode ser formado de várias maneiras:
quarenta e três
quatro três
quarenta com três
três e quarenta
quatro dezenas e três
oito cincos e três
cinqüenta menos sete
duas vezes vinte, e três

Se os substantivos se declinam, os números também podem. Ou não. Em latim, os números param de declinar-se no quatro.

Nas línguas indo-européias, estamos acostumados a radicais sem significado para os números; mas em outras famílias os nomes dos números são derivações, freqüentemente relacionadas ao processo de contar nos dedos das mãos e dos pés -- ex.: Choctaw 5 = tahlapi "a primeira (mão) terminada"; Klamath 8 ndan-ksahpta "três eu tirei fora"; Unalit 11 atkahakhtok "desce (aos pés)"; Shasta 20 tsec "homem" (considerado como tendo 20 dedos contáveis).

Para mais sobre números, veja a página de Fontes da minha página de Números de 1 a 10 em mais de 2000 línguas.


Como são os adjetivos?

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Os adjetivos podem ser algo como substantivos, algo como verbos, ou como nenhum dos dois. Se são como substantivos, geralmente concordam com o núcleo ao qual se referem. Se são como verbos, se conjugam como verbos.

Como se formam as expressões comparativas ("mais santo que tu", "o mais santo", "tão santo quanto tu")?

É útil ter algumas derivações regular para ou de adjetivos:
oposto (in-)
falta (des-) ou excesso (-oso)
possibilidade (-ável)
preferência (-filo) ou repúdio (-fobo)
habitante (-ense, -iano, -ano, -ês)
enfraquecimento do significado (-ecer)
fortalecimento do significado (ao máximo)
advérbio (-mente)


Há artigos (um, uma, uns, umas/o, a, os, as)?

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Muitas línguas, como o latim ou o russo, viram-se bem sem eles.

Isso pode ajudar a entender o que a distinção realmente significa. Normalmente é pragmática: o pode ser parafraseado "Você sabe sobre quem eu estou falando". Considere:

Eu vi um homem no rodeio. O homem vestia um hórrido terno xadrez.

Um homem na primeira oração mostra que esse personagem está sendo apresentado na conversa; o na segunda oração mostra que ele já é conhecido, ele é de fato o mesmo homem sobre quem acabamos de começar a falar. O antes de rodeio também indica que o locutor espera que o interlocutor possa lembrar-se desse rodeio certo -- se não, aquele teria dito um rodeio.

A ordem das palavras desempenha a mesma função no russo. Lá você diria, na verdade,

Eu vi homem em rodeio. Homem vestia hórrido terno xadrez.

Quando ele é apresentado, o homem fica perto do fim da oração; quando ele já é conhecido, aparece na frente.

(Na verdade, não há muitos rodeios na Rússia.)


Em que ordem os vários componentes de uma expressão nominal aparecem?

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Considere artigos, números, quantificadores, advérbios, adjetivos, pronomes substantivos, orações subordinadas, ex.:

Os dez felicíssimos robôs que passaram no exame do bar

Você pode geralmente dividr expressões em núcleos e adjuntos. Algumas línguas são muito consistentes ao posicionar todos os adjuntos antes, ou todos depois do núcleo. O inglês põe o núcleo no final, com a exceção das orações subordinadas. O japonês põe o núcleo no final também, mas é mais consistente: eles diriam "no exame do bar passaram robôs".


Em que ordem os vários componentes de uma expressão nominal aparecem?

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Os lingüistas gostam de falar sobre a ordem do sujeito, objeto e do verbo, que obviamente só pode ocorrer em seis combinações: SVO (como em inglês or Swahili), SOV (latim, quéchua, turco), VSO (galês), OVS (Hixkaryana), OSV (Apurinã), VOS (Malagasy). Os três últimos são por alguma razão raros, apesar de existirem sim.

Combinações e complicações são comuns; por exemplo, o alemão é basicamente SOV, mas um verbo finito (qualquer coisa exceto um particípio e um infinitivo) aparece na segunda posição (o que normalmente significa depois do verbo) numa oração principal:

Mein Vater ist vor einigen Tagen nach London gefahren.
Meu pai há muitos dias a Londres viajou.


Como se forma uma oração adjetiva (o homem que...)?

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Pode ser útil pensar sobre orações adjetivas usando gramática de transformações. Por exemplo, uma frase como

O homem em quem João bateu ontem prefere cerveja a vinho.

pode ser vista como derivando por transformação de uma frase que está incluída em outra:

O homem [João bateu nele ontem] prefere cerveja a vinho.

Em inglês, pode-se pensar na relativização como um procedimento de substituição do pronome da oração a ser subordinada e movimento para o início da oração:

        Etapa 1: O homem [João bateu em quem ontem] prefere cerveja a vinho.

Etapa 2: O homem [em quem João bateu ontem] prefere cerveja a vinho.

A sua língua pode também pôr limites no que exatamente pode ser relativizado. Os exemplos seguintes são permitidos em português, por exemplo, mas não em algumas outras línguas.

a garota [você acha [eu a amo]]
>> a garota que você acha que eu amo
o vizinho [eu traumatizei seu pastor]
>> o vizinho cujo pastor eu traumatizei
o gato [eu disse [Aléssia o trouxe para casa]]
>> o gato que eu disse que Aléssia trouxe para casa

Nem tudo é possível em português:

Este é o homem [o pai da minha namorada é amigo de João e dele]
>> Este é o homem de quem o pai da minha namorada é amigo de João e.

ou (obrigado a Leo Connolly por este exemplo, traduzido para o português)

Ali está o celeiro [mais pessoas se embebedaram atrás dele que atrás de qualquer outro celeiro nestes campos]
>> Ali está o celeiro atrás do qual mais pessoas se embebedaram que atrás de qualquer outro celeiro nestes campos.

Algumas línguas lidam com essas frases simplesmente sem mexer no pronome da oração subordinada. S.J. Perelman gostava de fazer isso em inglês (traduzido para o português):

"Este é o homem cuja minha mulher está dormindo com ele!"

Se a sua língua tiver casos, você deve tomar cuidado para pôr os pronomes relativos no caso certo -- o português não dá a você os instintos certos nessa questão, já que o qual é usado apenas por pedantes como eu. Geralmente o caso certo a ser usado é o que seria apropriado na subordinada. Em O gato que eu disse que Aléssia trouxe para casa, por exemplo, o que representando o gato deveria estar no caso apropriado para o gato em Aléssia trouxe o gato para casa.

O quéchua tem um meio interessante de formar tais orações, usando particípios. Por exemplo:

Chakra-y yapu-q runa-ta qaya-mu-saq
campo-meu arar-particípio homem-acusativo chamar-[movimento-em-direção]-[eu-futuro]
Eu chamarei o homem que arou meu campo.

Essa subordinada tem, em vez da forma de uma frase simples ("o homem arou meu campo"), a forma de um particípio ("o homem meu-campo-arante").


Como se formam perguntas de sim e não?

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O inglês tem um procedimento relativamente barroco (inverte sujeito e verbo). Outras línguas simplesmente usam um aumento na intonação, ou adicionam uma partícula no início da oração (ex.: o czy polonês) ou ao verbo.

Muitas línguas oferecem meios de sugerir a resposta à pergunta. Por exemplo, a partícula latina num faz com que se espere a resposta "não" (Num ursi cerevisiam imperant? Ursos não pedem cervejas, ou pedem?), enquanto nonne faz com que se espere "sim" (Nonne ursus animal implume bipes? Ursos são bípedes implumes, não são?).

Em perguntas que são formadas anexando-se uma partícula (ex.: -ne em latim, ou -chu em quéchua), a partícula pode ser adicionada diretamente à palavra em questão. Só se pode alcançar o mesmo efeito em português por ênfase (o urso está tomando cerveja? O urso está bebendo cerveja?) ou por rearranjo (É cerveja que o urso está tomando?)

Um modo de fazer uma pergunta em chinês é oferecer ao interlocutor uma escolha: Nî shì bu shì Bêijing rén? "Você é de Pequim?", literalmente "Você é, não é de Pequim?"

Alguns povos, acreditem ou não, viram-se bem sem usar as palavras "sim" ou "não". O artifício usual é repetir o verbo da pergunta: Nós mesmos, em português, fazemos isso:

--Você conhece o caminho que vai a São José?
--Conheço (
ou não conheço).


Como se formam outras perguntas?

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O português normalmente move o pronome interrogativo ao começo da frase, mas outras línguas não, perguntando coisas como "Você disse quê?" or "Ela está saindo com cujo namorado?"

Também note que algumas línguas têm diferentes pronomes para orações adjetivas ("O homem que pesca") e perguntas ("Quem é este homem?").


Como se nega uma frase?

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Novamente, há muitas opções:


Como são as conjunções?

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O latim tem um bom truque: para exprimir X e Y, pode-se dizer X Y-que, usando um clítico. A expressão SPQR, Senatus Populusque Romae, é um exemplo dessa construção: o Senado e o Povo de Roma.

O latim também distingue "ou" inclusivo e "ou" exclusivo: vel X vel Y significa que se pode ter X ou Y ou ambos, mas aut X aut Y significa que tem-se um ou o outro, mas não ambos.

O quéchua (antes da conquista espanhola) dava-se bem sem nenhuma conjunção. Para juntar coisas, a justaposição sempre funcionava. Em vez disso, podia-se usar uma terminação casual significando com: na verdade diz-se "X e Y" dizendo "X com Y". Não tenho certeza de como conjunções disjuntivas ("ou") eram usadas -- o quéchua moderno usa formas emprestadas do espanhol.


Estilo

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Uma língua natural tem uma grande variedade de registros, ou estilos de discurso: do cerimonial ou ritual ao ofcial ou científico, ao jornalístico ou literário, ao de diálogo simples, ao coloquial, ao de gíria. Crianças falam do seu próprio modo; poetas também. A alta sociedade fala de modo diferente das classes inferiores.

Alguns desses registros funcionam de modos previsíveis. Por exemplo, ritos são sempre conduzidos numa forma arcaica da língua (ou às vezes inteiramente em outra língua). A fala "educada" normalmente inclui palavras mais velhas, mais longas, estrangeiras ou técnicas. Em Verduriano, por exemplo, a fala educada toma emprestadas muitas palavras da língua-mãe, Cadhinor.

Gírias sempre apresentam substituições engraçadas para palavras comuns. Algumas substituições desse tipo tomadas do latim vulgar tornaram-se a palavra normal nas línguas romances: testa "pote" substituiu caput "cabeça", dando o francês tête; bucca "bochecha" substituiu os "boca", dando bouche; caballus "pônei" substituiu equus "cavalo", dando cheval.

A gíria também pode vir de grupos minoritários, ex: francês toubib, chnouf, bled do árabe; inglês shiv e pal dos ciganos, schlock do iídiche, jazz e jive dos negros; espanhol calato e cachaco do quéchua.


Polidez

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Todas as culturas têm modos de expressar a polidez, mas elas se diferenciam pelos métodos usados, e quando a polidez existe na gramática.

Segundo Anna Wierzbicka, o discurso polido em inglês se enfatiza muito em respeitar ao outro e evitar imposições. O inglês tem uma vasta gama de formas indiretas de pedir às pessoas para fazerem coisas, e mesmo de oferecer-lhes coisas. Will you have a drink? Would you like a drink? Sure you wouldn't like a beer? Why don't you pour yourself something? How about a beer? Aren't you thirsty? Os anglófonos estão tão acostumados com essas pseudo-perguntas que eles as usam em vez de um imperativo direto, mesmo quando a verdadeira polidez está longe da cabeça: Will someone put this fucking idiot out of his misery? For Christ's sake, will you get lost?

Em polonês, por contraste, um anfitrião cortês empurra a sua hospitalidade ao convidado, considerando as recusas e desejos expressos pelo convidado irrelevantes: Prosze bardzo! Jeszcze troszke! --Ale juz nie moge! --Ale koniecznie! "Por favor, um pouco mais" "Mas eu não posso!" "Mas você deve!" E o polonês é muito liberal com imperativos -- de fato, para realmente forçar é preciso usar o imperativo.

O japonês é quase sempre mais indireto que o inglês, ex.: evita o imperativo "Beba Coca-Cola!" a favor de Koka kora o nomimashou! (lit. "Nós vamos tomar Coca-Cola!").

O japonês também é notável por ter flexões verbais que mudam o nível de polidez (ex.: tetsudau "ajuda"; forma polida tetsudaimasu), bem como elementos léxicos inteiramente diferentes com o mesmo propósito(ex.: iku "ir", forma de modéstia mairu, honorífico irassharu).

Fórmulas de tratamento são um terreno fértil para complicações extravagantes; assim são os pronomes. Em poucas línguas se percebe falta de familiaridade no uso do pronome de segunda pessoa: para ser polido usa-se o plural (francês vous), ou uma forma de terceira pessoa (italiano Lei, espanhol Usted de vuestra merced "vossa mercê", português o senhor), ou um título (japonês sensei "professor", otousan "pai", etc.). Se isso parece estranho, perceba-se que o inglês escolheu a primeira alternativa tão profundamente (pronome da segunda pessoa do plural you) que o pronome da segunda pessoa do singular thou desapareceu.

Tentativas foram feitas para formular teorias universais de polidez, mas isso pode causar enganos. Por exemplo, sugere-se que a polidez envolve evitar a discórdia; mas na cultura judia a discórdia exprime sociabilidade e é tida como algo que une mais as pessoas. Ou então, diz-se que elogios diretos de si mesmo são evitados, e o elogio alheio é aprovado; mas o auto-elogio entre os negros americanos é bem aceito, e o elogio direto de outros é evitado em japonês.


Poesia

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Para poesia, você deve consultar a sua própria Musa. Entretanto, é bom ressaltar que rima não é a única coisa em que poesia pode se basear:


Famílias lingüísticas

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Você pode dar enorme profundidade a uma língua-fantasia dando-lhe história e parentes. O Verduriano e sua língua-irmã Barakhinei, por exemplo, derivam do Cadhinor, assim como o francês e o espanhol derivam do latim. Cadhinor, Cuêzi e Xurnásh, por sua vez, derivam todos do Proto-Oriental, portanto são relacionadas de modo sistemático, assim como o latim, o grego e o sânscrito derivam todos do proto-Indo-Europeu.

O que se pode fazer com tais relações??

As palavras freqüentemente mudam de significado no empréstimo. Bons exemplos do Verduriano:


Como se fazem?

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Para fazer isso bem você tem que saber algo sobre lingüística histórica. O faq do sci.lang dará uma breve introdução. Melhor ainda é ler a excelente obra Historical Linguistics, de Theodora Bynon, ou o mais aprofundado Principles of Historical Linguistics, de Hans Henrich Hock (ambos em inglês).

O princípio básico é o de que a mudança de sons é quase completamente regular. É bom saber isso, porque significa que tudo o que você tem que fazer é criar um grupo de mudanças sonoras entre a língua-mãe e as suas derivadas, e aplicá-las a cada palavra.

Aqui, por exemplo, estão apenas algumas das mudanças sonoras do Cadhinor para o Verduriano:

Um grupo diferente de mudanças sonoras pode ser usado para criar uma língua irmã. Por exemplo, o Barakhinei muda consoantes surdas para sonoras entre vogais (isso é uma mudança extremamente comum nas línguas), perde o fonema final de cada palavra, etc. O resultado final é uma língua irmã mas sutilmente diferente do Verduriano:

Cadhinor Verdurian Ismaîn Barakhinei significado
prosan prosan prozn proza "andar"
molenia mólnia moleni molenhi "relâmpago"
ueronos örn rone feron "águia"
aestas esta este âshta "verão"
laudan lädan luzn laoda "ir"
geleia zhelea jeleze gelech "calmo"

Se você está interessado em aplicar mudanças sonoras em uma língua para gerar uma língua descendente, você pode achar o meu programa Aplicador de Mudanças Sonoras útil. E para um exemplo maior, veja a minha página do proto-Oriental, o ancestral do Cadhinor e de outras línguas almeanas.


Dialetos

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Você pode usar a mesma técnica para criar dialetos para uma língua sua. Lingüisticamente, dialetos são simplesmente um grupo de variedades lingüísticas que não divergiram o suficiente para que seus falantes não se compreendam mutuamente. Os dialetos podem ser criados simplesmente especificiando-se um número menor de mudanças sonoras menos dramáticas.

Por exemplo, o dialeto Verduriano de Avéle é caracterizado pelas seguintes mudanças:

Dialetos também podem ter seu próprio léxico, é claro, talvez emprestados de vizinhos ou de habitantes anteriores do território local.

As pessoas quase sempre supõem que o dialeto da capital (ou qualquer outro lugar cujo falar seja o padrão) é mais "puro" ou conservativo que os falares das províncias. Na verdade, o oposto é mais provável de ser verdade: o centro ativo de uma cultura verá seu falar mudar mais rapidamente; áreas rurais ou isoladas tendem a preservar formas mais antigas.

Se você está inventando uma interlíngua, você pode, claro, querer fazer todo o possível para prevenir o surgimento de dialetos. Isso é provavelmente uma expressão da veia fascista comum a alguns criadores de línguas. Por que não elaborar a sua interlíngua com dialetos, refletindo a fonologia de várias regiões lingüísticas? A língua resultante, com variedades próximas às grandes línguas naturais, poderiam alcançar mais aceitação que as interlínguas uniformes já alcançaram.

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